Arcano VI - Os Amantes na versão contemporânea de Crowley/Harris
VI
"O Oráculo dos Deuses é a Voz de Criança do
Amor
em Tua própria Alma; ouve-o.
Não dá atenção à Voz-Sereia do Sentido, ou à
Voz-
Fantasma da Razão: repousa na Simplicidade e
escuta
o Silêncio."
Aleister Crowley
O Livro de Thoth
em tradução Edson Bini
Interpretação:
"Abertura à inspiração, intuição,
inteligência, segunda visão, infantilidade, frivolidade, pensamento divorciado das considerações
práticas, indecisão, auto-contradição, união em
grau superficial com os outros,
instabilidade, contradição, trivialidade, o “sabichão”.
O Arcano VI - Os Amantes no tradicional Baralho de Marselha (anônimo)
Atribuição: Gêmeos (um signo de Ar)
Letra: Zain (espada)
Valor da Letra: 7
Corresponde ao nosso "Z".
Caminho na Árvore da Vida: 17º
O 17º Caminho - Arcano VI - Os Amantes interliga a Terceira Estação da Árvore da Vida, Saturno (Compreensão) a O Sol (Harmonia), a Sexta, e também a central.
Crowley:
VI. OS
AMANTES (OU OS IRMÃOS)
Esta carta e sua gêmea, XIV (Arte), são os
mais obscuros e difíceis dos Atu. Cada um destes símbolos é em si mesmo duplo, de modo
que os significados formam uma série divergente e a integração da carta só pode
ser reconquistada mediante casamentos e identificações reiterados, e alguma forma de
hermafroditismo.
E, no entanto, a atribuição é a essência da
simplicidade. O Atu VI se refere a
Gêmeos, regido por Mercúrio. A letra hebraica
correspondente é Zain, que significa espada, e a
estrutura da carta é portanto o Arco de Espadas abaixo do qual o Casamento Real acontece.
A Espada é primeiramente um engenho de
divisão. No mundo intelectual - que é o mundo do naipe de Espadas - ela representa análise.
Esta carta e o Atu XIV [Arte] juntos compõem a máxima alquímica abrangente: Solve et
coagula.
Esta carta é, por conseguinte, uma das mais fundamentais do Tarô. É a
primeira carta na qual mais de uma figura aparece (o Macaco de
Thoth no Atu I é apenas uma sombra). Em sua forma original, foi a história da
Criação.
Acrescemos aqui, em função de seu interesse
histórico, a descrição desta carta em sua forma primitiva, o que é extraído de Liber
418. “Há uma lenda assíria de uma mulher com um
peixe e há também uma lenda de Eva e a Serpente, pois Caim era o filho de Eva e a
Serpente, e não de Eva e Adão; e, portanto, quando ele assassinara seu irmão, que foi o
primeiro assassino por ter sacrificado coisas vivas ao seu demônio, Caim recebeu a marca em
sua fronte, que é a marca da Besta referida no Apocalipse e o sinal da Iniciação.
“O derramamento de sangue é necessário pois
Deus não ouviu os filhos de Eva até que o sangue fosse derramado. E isto é religião
externa; mas Caim não falou a Deus nem recebeu a marca de iniciação sobre sua
fronte, de sorte que fosse evitado por todos os homens, até que tivesse derramado sangue. E
este sangue foi o sangue de seu irmão. Este é um mistério da sexta chave do Tarô, que não
deve ser chamada de Os Amantes, mas sim Os Irmãos.
“No meio da carta posta-se Caim; em sua mão
direita está o martelo de Thor com o qual ele assassinara seu irmão, e está todo tinto
de seu sangue. Sua mão esquerda ele mantém
aberta como um sinal de inocência. Sobre sua
mão direita está sua mãe Eva, ao redor da qual a serpente se enrosca com seu capelo
desdobrado atrás da cabeça dela, e sobre sua mão esquerda encontra-se uma figura um tanto
semelhante a Kali indiana, mas muito mais sedutora. Todavia, eu sei que é Lilith.
E acima dele está o Grande Sigillum da Seta, voltado para baixo, atingindo o coração da criança.
Esta criança é também Abel. E o significado desta parte da carta é obscuro,
mas este é o desenho correto da carta do Tarô; e esta é a fábula mágica correta da qual
os escribas hebreus, que não eram
iniciados completos, furtaram sua lenda da Queda e os
eventos subsequentes.”
É bastante significativo que quase toda sentença deste trecho parece inverter o significado da anterior. Isto é porque a
reação é sempre igual e oposta à ação. Esta equação é, ou deveria ser, simultânea no
mundo intelectual, onde não existe grande retardamento de tempo; a formulação de
qualquer ideia cria sua contraditória quase no mesmo momento. A contraditória de qualquer
proposição está implícita nela mesma. Isto é necessário para preservar o equilíbrio do
universo. A teoria foi explicada na exposição sobre o Atu I, O Prestidigitador, mas faz-se
mister que seja agora enfatizada a fim de se interpretar esta carta.
A chave é que a carta representa a Criação do
Mundo. Os hierarcas mantinham este segredo como de transcendente importância.
Conseqüentemente, os iniciados que publicaram o Tarô para uso durante o Aeon de
Osíris substituíram a carta original acima descrita em The Vision and the
Voice.
Estavam
interessados em criar um novo universo próprio; eles eram os pais da Ciência. Seus
métodos de trabalho, agrupados sob o termo genérico de alquimia, jamais foram tornados
públicos. O ponto interessante é que todos os desenvolvimentos da ciência moderna nos
últimos cinqüenta anos têm proporcionado às pessoas inteligentes e instruídas a
oportunidade de refletir que toda a tendência daciência tem sido retornar aos objetivos e
mutatis mutandis aos métodos alquímicos.
O segredo observado pelos alquimistas tornou-se
necessário devido ao poder de perseguição de Igrejas. Tão amargamente
quanto os beatos intolerantes lutavam entre si,
eles estavam igualmente preocupados em
destruir a ciência infante, a qual, como reconheciam instintivamente, colocaria um fim
na ignorância e na fé das quais dependiam o poder e a riqueza deles.
O assunto desta carta é a análise, seguida pela síntese. A primeira
pergunta feita pela ciência é: “Do que são compostas as coisas ?
“ Respondida esta pergunta, a seguinte
pergunta é: “ Como iremos recombiná-las para
o nosso máximo proveito ?” Isto resume toda a política do Tarô.
A figura encapuzada que ocupa o centro da
carta é uma outra forma de O Eremita, o qual é elucidado na seqüência no Atu IX. Ele
próprio é uma forma do deus Mercúrio descrito no Atu I; ele está rigorosamente encoberto,
como para significar que a razão última das coisas está num domínio além da manifestação
e do intelecto (como explicado alhures, apenas duas operações são, no final das
contas, possíveis: análise e síntese). Ele está de pé no sinal do entrante, como se projetando
as forças misteriosas da criação. Ao redor de seus braços se acha um rolo de pergaminho,
indicativo da Palavra que é semelhante à essência e mensagem dele. Mas o sinal do
entrante é também o sinal da bênção e da consagração, de maneira que sua ação nesta
carta é a celebração do casamento hermético.
Atrás dele estão as figuras de Eva,
Lilith e Cupido. Este simbolismo
foi incorporado para preservar em alguma medida a
forma original da carta e mostrar sua origem, sua herança e sua continuidade com o
passado. Na aljava de Cupido está inscrita a palavra
Thelema que é a Palavra da Lei (ver Liber AL, cap. I, versículo 39).
Suas setas são
quanta de Vontade. É assim
indicado que esta fórmula fundamental de
operaçãomágica, análise e síntese persiste através
dos Aeons.
Podemos passar agora a considerar o próprio casamento hermético.
Esta parte da carta é uma simplificação
de o Casamento Químico de Christian Rosenkreutz, uma obra prima excessivamente
extensa e prolixa para ser citada proveitosamente aqui. Mas a essência da
análise é a gangorra contínua de idéias contraditórias. É um glifo da dualidade. As
pessoas da realeza envolvidas são o rei negro ou mouro com uma coroa de ouro e a rainha
branca com uma coroa de prata. Ele está acompanhado do leão vermelho, e ela da águia
branca. Estes são símbolos dos princípios masculino e feminino na natureza; são,
portanto, igualmente, em vários estágios da manifestação Sol e Lua, Fogo e Água, Ar e
Terra. Em química eles se apresentam como ácido e álcali, ou (mais profundamente)
metais e não-metais, tomando-se estas palavras em seu mais lato sentido filosófico a fim de
incluir o hidrogênio por um lado e o oxigênio, por outro. Neste aspecto, a figura
encapuzada representa o elemento protéico
do carbono, a semente de toda a vida
orgânica.
O simbolismo do masculino e o feminino é
continuado ainda pelas armas do Rei e da Rainha. Ele porta a Lança Sagrada e ela, o
Cálice Sagrado; as outras mãos deles estão unidas, como que consentindo com o casamento.
Suas armas são apoiadas por crianças gêmeas, cujas posições estão trocadas, pois a
criança branca não só oferece apoio ao cálice como também carrega rosas, enquanto
que a criança negra, segurando a lança de seu pai, carrega também o porrete, um símbolo
equivalente. Na base do conjunto está o resultado do casamento sob forma primitiva e
pantomórfica: o ovo órfico alado. Este ovo representa a essência de toda essa vida
sujeita a esta fórmula do masculino e feminino. Prossegue o simbolismo das serpentes com as
quais o manto do rei está ornamentado, e das abelhas que adornam o manto da rainha. O
ovo é cinza, misturando branco e preto, de modo a significar a cooperação das
três Superiores da Árvore da Vida. A cor
da serpente é púrpura, Mercúrio na escala da
rainha. É a influência desse deus
manifestada na natureza, enquanto que as asas têm cor
carmesim, a cor (na escala do rei) de Binah, a Grande Mãe. Neste símbolo existe, portanto,
um glifo completo do equilíbrio necessário ao começo da Grande Obra. Mas, no que
concerne ao mistério final, isto é deixado sem solução. Perfeito é o plano para produzir a
vida, porém a natureza desta vida é ocultada. É capaz de assumir qualquer forma possível,
mas qual forma ? Isto depende das
influências presentes na gestação.
A figura no ar apresenta certa dificuldade. A
interpretação tradicional diz que se trata de Cupido, e não fica claro, a princípio, o que
Cupido tem a ver com Gêmeos. Nenhuma luz
é lançada sobre este ponto ao considerar-se a
posição do caminho na Árvore da Vida, pois Gêmeos conduz de Binah a
Tiphareth. E aí, conseqüentemente, se levanta toda a questão de Cupido. Os deuses romanos
geralmente representam um aspecto mais material dos deuses gregos dos quais são derivados,
neste caso, Eros. Eros é o filho de Afrodite e a tradição diverge quanto a seu pai ser Ares,
Zeus ou Hermes, quer dizer, Marte, Júpiter ou Mercúrio. Sua aparência nesta carta sugere
que Hermes seja o verdadeiro progenitor e este parecer é confirmado pelo fato de não
ser em absoluto fácil distingui-lo da criança Mercúrio pois eles têm em comum o
desregramento, a irresponsabilidade e o
gosto por pregar peças. Mas nesta imagem existem
características peculiares. Ele carrega um arco e flechas numa aljava dourada (é representado,
por vezes, com uma tocha); tem asas douradas e está vendado. Daí pode parecer que
ele representa a vontade inteligente (e, ao mesmo tempo, inconsciente) da alma de unir a
si mesma com tudo e todos, como foi explicado na fórmula geral relativa à agonia
da separação.
Não se atribui importância muito especial em
figuras alquímicas ao Cupido. Contudo, num certo sentido, ele é a fonte de toda a
ação, a libido para expressar zero como dois.
De um outro ponto de vista, é possível
considerá-lo como o aspecto intelectual da influência de
Binah sobre Tiphareth pois (em
uma tradição) o título da carta é “As Crianças da Voz, o Oráculo dos Deuses
Poderosos”. Deste ponto de vista, ele é
um símbolo da inspiração, descendo sobre a
figura encapuzada, que é, neste caso, um profeta que opera a união do rei e a rainha. Sua
flecha representa a inteligência espiritual necessária nas operações alquímicas, mais do
que a mera fome de executá-las. Por outro lado, a flecha é peculiarmente um símbolo de
direção, e é, portanto, apropriado colocar a palavra Thelema em letras gregas sobre a
aljava. Deve-se também observar que a carta contraposta, Sagitário, [Isto é, Arte (Atu XIV) N.T.] significa Aquele
que porta a Flecha, ou o Arqueiro, uma figura que não aparece sob forma alguma no Atu XIV.
Estas duas cartas são tão complementares que não podem ser estudadas
isoladamente para completa interpretação.
Aleiter Crowley
O Livro de Thoth
em tradução de Edson Bini
Ed. Madras, 2000
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