quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

4 - O HOMEM - segundo Aleister Crowley.

O texto que segue é a conhecida introdução aos "Pequenos Ensaios em Direção à Verdade", livro de Aleister Crowley. 
Aqui na tradução de Marcelo Motta.
[contém alguns trechos da versão original em inglês nas passagens de tradução - ou edição - duvidosa] 
Amantis (Paulo Medina)

O HOMEM 
por  Aleister Crowley
em tradução de Marcelo Motta.


    "Que é o homem, que te interessa nele?" 
      
      O homem sendo o assunto destes Ensaios, é antes de mais nada apropriado que expliquemos o que será significado por esta palavra.  
    O homem é um microcosmo; isto é, uma imagem (concentrada em volta do ponto de vista [point of consciousness] ) do macrocosmo, ou Universo. Este Teorema é garantido pela demonstração, hilo-idealística de que o Universo perceptível é uma extensão, ou fantasma, do sistema nervoso.  
   Segue disto que todos os fenômenos, internos ou externos, podem ser classificados, para o propósito de discutirmos sutis relações observadas, de  qualquer maneira que nossa experiência demonstre ser mais conveniente.  (Exemplos: as elaboradas classificações da ciência: químicas, físicas, etc.  Não existe qualquer verdade intrínseca [essential truth] em todos estes auxílios ao pensamento: a  conveniência delas é seu único padrão). Agora, para o próprio propósito de analisarmos a  natureza espiritual do homem, de registrarmos e medirmos as suas experiências espirituais, de planejarmos seu progresso à cumes mais elevados de consecução, diversos  sistemas foram concebidos. Aquele do Abhidhamma é, à primeira vista, tanto o  mais prático  quanto o mais científico e mais realista; mas para os estudantes ocidentais é certamente demasiado difícil de manejo, para não  mencionarmos outras linhas de criticismo.  
    Portanto, a despeito do perigo de vaguear,  imerso no uso de um sistema cujos termos são primariamente simbólicos, eu, por muitos motivos, preferi apresentar ao mundo como base internacional de  classificação, o sistema clássico-matemático que é vulgarmente e erroneamente (se bem que convenientemente) chamado de Qabalah. 
    A Qabalah, isto é, a Tradição dos Judeus concernente à  interpretação iniciada das suas Escrituras, é em sua maior parte ou ininteligível ou tolice.  Mas ela contém como seu esqueleto a joia mais  preciosa do  pensamento humano: aquele arranjo geométrico de  nomes e números  que é chamado a Árvore da Vida. Eu o chamo de precioso porque tenho  verificado que é o método mais conveniente até agora descoberto de  classificarmos os fenômenos do Universo, e de registrarmos as relações entre eles. A prova  disto consiste na espantosa fertilidade de pensamento que resultou da  minha adoção desse sistema. 
    Já que todos os fenômenos possíveis podem ser  referidos à Árvore da Vida (a qual pode ser multiplicada ou subdividida à  vontade de acordo com nossa conveniência), é evidentemente inútil tentarmos qualquer definitiva descrição dela. As correspondências de cada uma de suas partes -  as Dez Sephiroth [Estações] e os Vinte e Dois Caminhos - são infinitas. A arte de usá-la consiste principalmente em referirmos todas as nossas ideias a ela,  verificando assim a natureza comum de certas coisas, a diferença essencial entre outras, de forma que por fim nós obtemos uma perspectiva simples da incalculavelmente vasta complexidade do Universo.  
     O assunto todo deve ser estudado no Livro 777, e as atribuições principais aprendidas de memória; então, quando através do uso constante o sistema é finalmente  compreendido - em vez de apenas memorizado - o estudante perceberá mais luz despontando para si a cada esquina, a medida em que ele persista em medir cada novo item de conhecimento  que ele obtenha por esse Padrão. Pois para ele o Universo  então começará a  aparecer como um Todo necessário e coerente.  
    Para o propósito do estudo destes Pequenos Ensaios, será suficiente se dermos um simples resumo da Teoria Cósmica neles implicada; mas podemos acrescentar que, quanto maior a compreensão da Árvore da Vida que o leitor trouxer aos seus estudos, tanto mais claro o pensamento neles expresso lhe será, e tanto mais congentes [congent, congente: racionalmente necessário, irrefutável]  as conclusões ali contidas. 

A Constituição do Homem é quíntupla.

A Árvore da Vida dividida em cinco níveis.

   (1) Jechidah.

    Este é o princípio quintessencial da Alma, aquilo que torna o homem idêntico a toda outra fagulha de Divindade, e ao mesmo tempo diverso (no que concerne ao ponto de vista, e ao Universo do qual esse é o centro) de todas as outras. É um Ponto, possuindo apenas posição; e essa posição só é definível através de referência a eixos coordenados, a princípios secundários, que só lhe pertencem por acidente, e devem ser postulados à medida que nossa concepção cresce. 

(2) Chiah
    Este é o Impulso Criador, ou Vontade, de Jechidah: a energia que exige a formulação do eixo de coordenadas já dito, a fim de que  Jechidah possa obter auto-realização (uma compreensão articulada daquilo que é implícito em sua natureza) de suas possíveis qualidades.

(3) Neschamah
    Esta é a faculdade de compreender a Palavra de Chiah. É a inteligência ou intuição daquilo que Jechidah deseja descobrir a respeito de si mesmo

    Estes três princípios constituem uma Trindade; eles são um, porque representam o ser de, e o aparato que tornará possível a manifestação de, um Deus em forma humana [of a God, in manhood.] Mas eles são apenas, por assim  dizer, a estrutura matemática da natureza do homem. Poderíamos compará-los com as leis da física, como estas são antes de serem descobertas.  Não existem, por enquanto, quaisquer dados através de cujo exame eles possam ser percebidos. 
     Um homem consciente, portanto, não pode saber coisa alguma desses três princípios, se bem que eles constituem a sua  essência. É a obra da Iniciação viajar interiormente em direção a eles. Veja-se, no Juramento de um Probacionista da A.'.A .'. "Eu me comprometo a descobrir a natureza e poderes de meu próprio Ser."  
    Este princípio triuno sendo completamente espiritual, tudo que pode ser dito sobre ele é na realidade negativo. Ele é completo em si. Além dele estende-se aquilo que é chamado O Abismo. Esta doutrina é extremamente difícil de explicar; mas corresponde mais ou menos ao hiato em pensamento entre o Real, que é ideal, e o Irreal, que é atual [no sentido de palpável, físico]. 
      No Abismo todas as coisas existem, realmente, pelo menos em potencial; mas são desprovidas de qualquer significado, pois falta-lhes o substrato de Realidade espiritual. Elas são aparências da Lei [appeareances without Law]. São, assim, Miragens Insanas
     Agora, o Abismo sendo assim o grande armazém de Fenômenos, ele é a fonte de todas as impressões. E o Princípio Triuno tencionou uma máquina para investigar o Universo; e esta máquina é o quarto Princípio do Homem. 

     (4) Ruach. 
     Isto pode ser traduzido Mente, Espírito, ou Intelecto; nenhuma das três traduções é satisfatória, a conotação variando com cada escritor. O Ruach é  um grupo estreitamente entretecido de Cinco Princípios Morais e Intelectuais, concentrados em volta de seu cór [core: centro vital, âmago, coração] Tiphareth, o Princípio de Harmonia, a Consciência Humana e Vontade, de que as outras quatro Sephiroth [Estações da Árvore da Vida] são (por assim dizer) as antenas. E estes cinco princípios culminam em um sexto, Daath, Conhecimento. [Daath - "Porta" é a Estação invisível da Árvore da Vida e está posicionada no Abismo] Mas este não é realmente  um princípio; contém em si mesmo o germe de auto-contradição, e assim de autodestruição. É um falso princípio; pois, tão cedo o Conhecimento é  analisado, ele se decompõe no pó irracional do Abismo. 
     A aspiração do homem ao Conhecimento é, assim, simplesmente, um caminho falso; é tecer cordas de areia. 
    Não podemos entrar aqui na doutrina da "Queda de Adão", inventada para explicar a parábola como é que  o Universo está assim tão infelizmente constituído. Nós nos ocupamos aqui apenas com fatos observados, e não com teorias. 
     Todas essas faculdades mentais e morais de Ruach, se bem que não são puramente espirituais como a Tríada Superna, estão ainda, como se fosse,  "no ar". Para serem úteis, elas necessitam uma base através da qual possam receber impressões; muito  como uma máquina necessita de combustível e matéria prima antes de poder manufaturar o artigo que foi concebida para produzir. 

(5) Nephesch
    Isto é usualmente traduzido "Alma Animal". É o veículo de Ruach: o instrumento através do qual a Mente é posta em contato com o pó de Matéria do Abismo, para que possa senti-lo, julgá-lo, e reagir a  ele. Nephesch é, em si mesmo, um princípio ainda espiritual, em um senso da palavra: o corpo físico do homem é composto do pó de Matéria, temporariamente coerido pelos Princípios que o infundem [dão forma] para seus respectivos propósitos, e ultimamente para o supremo propósito de auto-realização de Jechidah. 
     Mas Nephesch, desavisado como é, sem outro objetivo que o tráfico direto com a Matéria, tende a partilhar da inocência desta. Suas faculdades de perceber dor e prazer o atraem à arapuca de prestar demasiada  atenção a um grupo de fenômenos, e evitar outros. Daí, para que Nephesch execute sua função como é próprio, é necessário que ele  seja dominado  pela mais severa disciplina. Nem merece o Ruach mesmo confiança neste ponto. Ele tem suas próprias tendências à fraqueza  e injustiça. Ele tenta  todo truque - e é diabolicamente astuto - para organizar seu contato com a Matéria no senso mais conveniente à sua própria inércia, sem dar a  mínima consideração ao seu dever para com a Tríada Superna, cortado como está de compreensão dela; de fato, nem suspeitando, normalmente, da existência dela. Então o que leva Tiphareth, a Vontade Humana,  a aspirar a compreender Neschamah, submeter-se à Vontade Divina de  Chiah? 
      Nada senão a realização, nascida mais cedo ou mais  tarde de agoniada experiência, de que sua inteira relação através de Ruach e Nephesch com a Matéria, e com o Universo, é, e deve ser, apenas dolorosa. A insensatez do processo inteiro o repugna. Ele começa a procurar algum mênstruo em que o Universo se torne inteligível, útil e  agradável. Na linguagem cabalística, ele aspira a Neschamah. 
     Isto é o que queremos dizer quando asseveramos que o Trance de Dor [Trance of Sorrow] é a motivação da Grande Obra. Este "Trance de Dor" (que deve ser mantido bem distinto de qualquer pequeno desespero pessoal, e de qualquer "convicção de pecado" ou outras tais imitações de magia negra), sendo cósmico o alcance, abarcando todos os fenômenos, atuais ou potencias, é então em si uma Abertura da Esfera de Neschamah. A percepção de nosso infortúnio é em si uma indicação do remédio. Ela põe o buscador na estrada certa, e à medida que ele desenvolve seu Neschamah ele alcança experiências deste elevado tipo. Ele aprende o significado de sua própria verdadeira Vontade; ele aprende a pronunciar sua própria Palavra, a se identificar com Chiah.  
      Finalmente, percebendo Chiah como o aspecto dinâmico de Jechidah, ele se torna aquele puro Ente, ao mesmo tempo universal e individual, igualmente Nada, Um, e Tudo [equally nothing, One, and All]. 
    É da natureza das Ideias da Tríada Superna que as Leis da Razão que se aplicam às funções intelectuais não mais operem ali. É pois impossível explicarmos a natureza  dessas Experiências em linguagem racional. Além disto, o alcance delas é infinito em toda direção; de forma que seria fútil tentar enumerá-las ou descrevê-las em  detalhe. Tudo que podemos fazer é descrever os tipos mais comuns em  linguagem mui genérica, e indicar as principais linhas de pesquisa que a experiência iniciática tem demonstrado serem as mais úteis. 
      A Busca do Santo Graal, a Pesquisa pela Pedra Filosofal - qualquer outro nome pelo qual desejamos chamar a Grande Obra - é portanto infindável. Sucesso apenas abre novas avenidas de brilhantes possibilidades. Sim, em verdade e Amen! 
A tarefa  é incansável e suas alegrias são sem limite; pois o Universo inteiro (e tudo que está nele)  o que é senão o infinito parque de recreio da Criança Coroada e Conquistadora, do incansável, do inocente, do sempre alegre,  Herdeiro do Espaço e da Eternidade, cujo nome é HOMEM? 



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